sexta-feira, 6 de agosto de 2010

A decoração de interiores





O lugar em que nós vivemos é reflexo do interior. O interior do interior. Como o interior da nossa casa é o interior dos que lá moram. A seleção de fotos na estante, o destaque que damos ou não às lembranças, ao amor, à história da família, aos livros, aos discos.
Aqui em casa tem uma infestação de formigas. E me lembrei do maravilhoso final de Cem anos de solidão de Gabriel Garcia Marquez. Às vezes acho que certa falta de esperança generalizada quanto ao futuro dessa família fez as formigas entrarem. E, em alguns dias, acordo achando que vivo o último capítulo desse livro. Que uma hora, inevitavelmente, as formigas irão devorar tudo. Até quem mora dentro.
Gabriel não foi o único a tratar dessa simbiose entre casas e pessoas. Caio Fernando Abreu em seu belíssimo conto Linda: uma história horrível fala bem disso. A casa da mãe é uma espécie de duplo do personagem. Suas feridas que aparecem na pele estão representadas nas manchas espalhadas na parede da casa. Esse conto sempre mexeu comigo. Como o livro de Gabriel.
Ás vezes só nos preocupamos com a proteção que a casa nos oferece. E não com a maneira como a disposição e integridade das coisas nos afeta silenciosamente.
Faça um teste: olhe para o seu quarto com um olhar de fora e imagine o tipo de pessoa que moraria ali.
Eu fiz o teste.
Olhei e vi que naquele quarto mora uma pessoa que quer acreditar que está de passagem, que gosta mais de livro do que roupas e músicas. Que deixa muita coisa pela metade. E que toma levotiroxina sódica para o resto da vida.
Não sei se essa sou eu, mas é bem provável que seja.

5 comentários:

  1. Profundo e lindo texto Fabi, o interior de onde moramos pode sim revelar nossa identidade, é possível até conhecer a personalidade de seus ocupantes.Muitos que conheço tem uma decoração impecável, conseguem manter todos os objetos no lugar a que foram destinados, parece mais um cenário inanimado que propriamente a sua morada. Não há marcas impressas, as janelas sempre fechadas, tenho a impressão que essas pessoas vivem sempre o mesmo ciclo, tudo na mais perfeita ordem, e o desejo eterno de impressionar o outro!Não tornam público o modo privado que vivem, mas deixam pistas, e eu as descubro!!rsrs
    Bjus, Boa sorte!

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  2. Lindo texto, Fabi!!! Concordo com tudo q a Elisa falou!!!! As formigas são só formigas!!!!

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  3. Decidi fazer o teste, mas precisamos de muita coragem para olhar para o interior do interior. Não consegui, o máximo foi perceber que não tenho essa coragem, o medo pode ser de ver algo e talvez não gostar ou, o pior, posso gostar de tudo, mas vou saber que as mudanças que sempre achei necessárias, mas adiei para um futuro próximo, nunca acontecerão.
    Esse texto está excelente, como todos os outros desse blog.

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  4. Esse texto vem em boa hora... se eu não fosse mto modesto ia achar q vc escreveu pra mim kkk. Se eu olhar pro meu quarto agora, diria q metade sou eu hoje e outra metade um eu "so last season" kkk. Mas no interior do interior acho q sou o mesmo, metáforas de quarto só funcionam em texto kkkk. Mas o q importa é q meu quarto (não metafórico) tá ficando lindo e espero q nenhuma formiga maldita venha me infernizar. Ótimo texto como sempre!!

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  5. É uma teoria complicada essa minha, Elisa. Às vezes é preciso fazer isso que você fala: encontrar um significado além dos sentidos aparentes.
    Lu, você está em transição e já está bem perto desse lugar melhor.
    O texto é inspirado na depressão que você me causou com seu quarto luxuoso, Charles.

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